quinta-feira, junho 22, 2017

Sem limites e sem licenças

"Karen chegou no bar em menos de meia hora. Quem a viu dirigindo poderia jurar que iria entrar debaixo de um caminhão. Pra ela não fazia diferença, não morreria nem assim.

Fazia pouco mais de dez anos que tinha se tornado uma vampira. E quando se viu livre dos pais viveu uma vida de excessos, regada à drogas, bebida e sexo sem compromisso. Agia como se a vida fosse uma grande balada, toda a seu dispor na hora que bem lhe entendesse.

Saiu de casa aos 18 anos para começar a estudar. Nunca suportou as regras de seus pais anglicanos. Tinha nascido em uma família de fachadas da escurecida Londres. Suas irmãs eram as filhas perfeitas e ela mesma até seus 15 anos os obedecia por pura convenção.

Entrava nas igrejas anglicanas com nojo, sabendo que milhares de pessoas tinham morrido em nome da intolerância de achar que o seu Deus era melhor do que qualquer Deus. E se perguntava, onde estava Deus quando essas pessoas precisaram dele? O que a religião tinha feito por elas, se tinham morrido e deixado suas famílias na dor, no sofrimento, na loucura.

Que droga de religião era aquela que matava em nome de Deus. Porque não podia ser cura da alma, procura de paz, sem guerras, sem lutas. Lutas precisavam ter causas concretas e não se esconderem em nome de alguém que provavelmente não queria guerras em Seu nome.

Ah, seus 15 anos. Se soubesse que se apaixonaria por Joshua Maynard, passaria esse tempo dormindo ou simplesmente alucinada. Maynard era o cara mais lindo do colégio. Tinha os cabelos negros e os olhos azuis como duas contas de água marinha no rosto. Não tinha uma menina que não tinha se apaixonado por ele. E não tinha uma menina que não tinha saído ferida dessa paixão.

Karen não era feia. Pelo contrário, era bonita, com grandes olhos negros e os cabelos castanhos caindo pela testa. Seu defeito era a solidão e a estranhes. Ao contrário de suas colegas de sala, não tinha espinhas no rosto e o corpo demorou mais a se desenvolver que todas elas. Era mediana e magra por conta de sua puberdade atrasada.

Joshua a humilhava, com um prazer sádico que poucas as pessoas que conheceu tinham. Mas não entendia porque não a queria se ele não dispensava uma garota sequer. Ela se sentia como um rato acuado num canto qualquer prestes a virar presa de um gato faminto. E ele era fera sempre pronta a dar o bote.

Toda vez que se lembrava de Joshua tinha vontade de estrangulá-lo. Não importava em qual tempo e em qual circunstância, todas as vezes o imaginava debaixo de sua bota, com seu salto mirado em sua jugular só para vê-lo agonizar sem dó.

Foram dois anos de humilhação até o dia que saiu pela porta do colégio e nunca mais o viu. Se ele a visse hoje estaria amargamente arrependido e ela triunfante em mais uma caça bem sucedida.

Karen poderia ter todos os defeitos, mas se tinha algo que ninguém poderia negar era a sua inteligência. Era esperta, sagaz, rápida e excelente memorizadora. Entrou na faculdade de História, contrariando seus pais que queriam uma filha médica. Queria entender sobre o passado, o que ele influenciava na vida das pessoas. Foi ai que se tornou anarquista. E se pudesse, cuspiria na cara da rainha. Seria o auge da sua rebeldia.

Rebeldia que latejou insistentemente já no seu primeiro ano de faculdade. Já não era mais adolescente e seu corpo formado de mulher dizia isso. Alta e com o rosto mais lindo do que nunca, era vista, notada e desejada por muitos homens, de sua idade ou não.

Foi quando conheceu Peter, seu colega de quarto. A pior companhia que alguém poderia ter. Peter fez Karen conhecer o melhor antidepressivo de todos, a heroína. Karen pintou os longos cabelos de vermelho e se envolvia com qualquer trapo que existia na face da terra. Não era amor, era um simples desejo que não cessava, era um desejo de alma que não sossega. Não perdoou um homem que passou em sua vida. Provou todos. Largou todos.

Terminou a faculdade, mesmo com todas as drogas que utilizou, com todas as bebidas que bebeu e todas as noites que não dormiu não por estudar, mas sim por vontade própria.

Naquele mesmo ano decidiu ir à Nova Iorque sem um dólar extra no bolso. Karen que já não via mais seus pais, nem suas irmãs há quatro anos, foi sem muito rumo. Mesmo assim eles ainda lhe sustentavam, quando um belo dia, perderam contato com ela. Já não pensava mais em lecionar, queria seguir a carreira de música que era uma paixão incontrolável em sua vida. Nunca mais voltou.

Como não conseguia dinheiro para pagar as contas e se sustentar sozinha. Vendeu sua guitarra pra poder comer e entrou pra prostituição quando foi morar nas ruas. Aquilo era pior do que ter que se sujeitar a viver sobre as regras do seus pais, mas ela não se arrependia de nada.

Ainda assim usava parte do dinheiro pra gastar em drogas. A sorte dela é que não tinha um cafetão. Foi quando numa dessas noites conheceu David. David se aproximou de Karen sempre dizendo que queria um programa, mas ele queria   somente uma companhia.

Foi quando ele ofereceu que dividissem o apartamento que ele morava e um emprego numa lanchonete onde ele trabalhava. Era sua chance de sair das ruas. Karen não confiava em ninguém, mas não era trouxa, sabia quando uma oportunidade era real.

Mas Karen não se contentava com nada, no fundo a sua insatisfação sempre lhe cobrava. Um dia qualquer desses bem comuns conheceu um homem. Daqueles que lhe davam arrepios e lhe chamavam a atenção. Era como se aquele desejo que pulsava na época de sua faculdade tivesse vindo à tona. E todas as good and bad trips que teve arrepiavam a sua pele como se estivesse novamente experimentando a heroína pela primeira vez.

Kaius no auge dos seus quase 450 anos estava somente entediado. Queria uma companhia, um motivo. E a beleza de Karen pulava em seus olhos, toda vez que lhe olhava nos olhos. Os olhos mais indecifráveis que tinha conhecido, olhos famintos de algo que ele não conseguia definir. Aquilo era fascinante, como se tivesse voltado à caçada novamente.

Kaius então se aproximou de Karen, que pasma não conseguia fazer nenhum movimento. Era um charme estarrecedor, incontrolável. Quando percebeu, estava tomada por suas promessas de uma vida de grandes vitórias por mérito, ser reconhecida ser livre e ser aquilo que sempre sonhou.

Quando percebeu, Kaius já tinha lhe transformado em segundos de uma experiência mais transcendental do que qualquer droga que pudesse ter tomado. Era o começo do seu fim.

Naquela mesma noite, sem nenhuma explicação foi pra casa. David estava deitado no sofá, dormindo e com a televisão ligada. Karen parecia sentir uma necessidade em sentir o gosto de sua pele.

Aproximou-se de David lentamente e quando estava bem próximo de seu pescoço, só conseguia enxergar suas veias e artérias pulsando. Sem perceber cravou suas presas sem piedade. Sentia um prazer intenso até que tudo ficou claro como uma luz e quando voltou a si olhou para o corpo inerte e dilacerado.

Os olhos de David tinham uma expressão de dor e de desespero. Essa foi a última imagem que guardou. Em cima do parapeito da janela estava Kaius, olhando toda a cena e lhe disse:

-Agora sim, sem vínculo nenhum, você pode vir comigo e eu posso te dizer o que você é.

Quando Karen entrou no escritório do bar, disse olhando bem firme pros olhos do vampiro sentado a mesa:

-Tem um vampiro chamado Thiago te procurando Kaius. Ele sabe sobre a Cura."

sexta-feira, junho 16, 2017

Mais e menos

Não desrespeite o seus sentidos, eles dizem verdades que você só não quer enxergar, porque é obtuso e impaciente.

sábado, junho 10, 2017

Walk Away

- Tá doendo, tá? Será que vc não vê?

A mulher de cabelos longos vermelhos, olhava pra menina caída no chão. Sua expressão era sempre a mesma,os olhos eram de desprezo, principalmente quando era chamada pra essas ocasiões:

- Eu te avisei, um milhão de vezes, você não quis me escutar... E mais uma vez me chamou pra escutar o óbvio...

- Tu és a única pessoa que confio, sabes disso, mas mesmo assim, me ignora, ignora o fato que estou aqui lhe pedindo ajuda.

- Não ignoro, só acho que você vive batendo nessa mesma tecla. Se tá doendo, se cure. Não tem o que fazer. Não tem como melhorar.

- Não sei mais o que fazer, fiz de tudo, tudo o que você me disse. Segui todos os seus malditos conselhos e agora, tudo o que tenho é essa dor que não passa. Não há pílulas que curem, não há mais nada que posso fazer...

- Você sabe o que tem que fazer, só está querendo ouvir de mim pra ter a certeza de que não fará nada de errado...

- Eu não sei! Já lhe disse! Por que não me ouves?

- Você está falando comigo ou com sua consciência? Larga a mão de ser a adolescente perdida no mundo! Seu tempo já passou, agora é agir! Agir garota, nada mais! Mas você não presta atenção, fica nesses seus "e se isso... e se aquilo", acorde! Na vida não existe "e se..."

- Não consigo entender... Se não existe, por que a gente procura explicações pra tudo?

- Porque é confortável. Porque te faz sentir mais humana se pensar que sua vida é cheia de possibilidades. As possibilidades você mesmo que cria. A vida não corre atrás de você se você não vive.

- Mais do que eu tenho feito? Mais do que eu tenho entendido pacientemente a realidade que me tortura? Não é possível, tem que ter alguma solução mais plausível...

- Escute a você mesmo. Você quer que as coisas caiam do céu. Quer que as pessoas lhe entendam, gostem de ti, gostem da tua companhia, mas o que você faz pra merecer isso?

- Sou verdadeira, tu me ensinaste isso, esqueceu?

- Verdadeira... E por que fica aí, chorando que algo está te ferindo em vez de arrancar logo de uma vez o veneno que te consome todos os dias? A ferida tem que ser limpa, exposta, senão ela não cicatriza, não melhora nunca. Ficou aí batendo no peito, dizendo que estava finalmente curada, mas não tá. Tampou o buraco com uma gaze e deixou lá, sem cuidado nenhum... isso infecciona e tudo morre. Você e as mesmas inseguranças, mesmos medos, será que nunca vai aprender?

- Como não cuidei? Como não limpei e simplesmente tampei pra não ter que ver? Você estava aqui! Você viu, você viu tudo, viu tudo o que fiz e tudo o que tenho tentado fazer e agora você me vem com essa história? Hipócrita!

Uma expressão de raiva se criou no rosto pálido daquela mulher. Ela se abaixou lentamente e com o dedo apontado para o rosto da menina, disse entre os dentes, segurando seu instinto:

- Hipócrita? O que você sabe da vida, sua fedelha? Acha que se sou assim hoje, não tive que limpar todas as feridas que abriram pelo meu corpo? Que não tive muitas vezes que suportar a dor sozinha e calada, porque nunca tive alguém como você tem pra ouvir as suas estúpidas lamúrias? Sabe quantas cictrizes eu tenho? Quer que eu te mostre? Será que você conseguirá contá-las? Já disse e vou repetir, nada é fácil. Agora se você está a fim de desistir, problema seu. Não me culpe de seus erros. Não conte comigo da próxima vez...

Ela se levantou, virando suas costas a menina e começou a seguir seu caminho. Ainda caída no chão, as lágrimas pularam dos olhos da garota, e em um grito de desespero a chamou de volta, como seu último recurso. Estar sozinha era ruim, mas padecer e ficar sozinha pra eternidade era muito pior.

- NÃO! POR FAVOR! SE VOCÊ NÃO ME AJUDAR A NÃO DESISTIR, EU NÃO TENHO MAIS NADA! SERÁ QUE NÃO CONSEGUES ENTENDER QUE SÓ QUERIA OUVIR QUE TUDO VAI FICAR BEM?

A mulher parou e abaixou sua cabeça e os longos cabelos vermelhos caíram pelo seu rosto. De olhos fechados, teve um relance de sua humanidade.

- Achas que não tenho compaixão. Que gosto de lhe ver sofrer, de lhe ver nesse estado. Mas não sou. Eu sei o que você sente e sei que lá no final uma hora você irá se arrepender de deixar essa dor te dominar. Quero que sejas forte, porque nenhuma providência divina irá se derramar sobre tudo isso e fazer com que as coisas simplesmente dêem certo assim, sem esforço nenhum.

- Mas por que comigo?

- Porque tem que ser assim. Porque você sabe que consegue...

- Já não consigo mais. O fio da maldita sanidade irá se partir e aí, todo o meu esforço foi em vão.

- Você é mais forte que isso, eu sei, eu vejo, confie em mim.

Em meio a prantos, a menina escondeu sua face em vergonha de suas lágrimas, equanto a mulher se abaixava lentamente tocando em seus ombros e lhe dando um forte abraço:

- É hora de limpar a ferida

Daquele lugar não se pode ouvir os gritos, mas mais uma ferida se abriu, mais uma cicatriz se formou.

quinta-feira, junho 08, 2017

Uncovered

Sei que não me enxerga, por mais que eu grite, por mais que eu queira chamar sua atenção. Nossos mundos nunca vão colidir. Nossas vidas já foram cruzadas, mas o tempo não parou pra nós. Confesso que quero, confesso que desrespeito as linhas do destino. Mas não posso ser metade, não posso ser um livro esquecido na prateleira.

quarta-feira, junho 07, 2017

You're True

Minhas mãos procuram tocar seu rosto quando fecho meus olhos. Dentro de mim essa batalha interminável de te querer me faz perder as forças por completo. Só me faça voltar a respirar. Só me faça voltar a viver.

sexta-feira, junho 02, 2017

Thoughtless Innuendos

Parei sentada na cama, olhando pro infinito, que se define como minhas próprias paredes. Engraçado como nada mais era sufocante como antigamente e me certifiquei de que ainda respirava. Era inútil, por mais de horas o mundo parecia estar congelado.

De repente, uma lágrima escorria sem que eu percebesse. Era assim que você chegava sempre e assim que eu sempre te esperava.

Mas, para minha surpresa, não era você e não era você que me perguntava com aquela voz doce "demorei?", era uma voz aspera e uma mão fria. Uma mão que me tomava rápido e dizia que você estava ali, era só abrir os meus olhos e ver. O que eu estava esperando? por que não confiava?

O que tinham feito com você, e por que tanto sangue? E por que você ainda insistia em sorrir. Estava ali, ferido e sem forças e me olhava porfundo nos olhos, querendo me dizer todas as palavras que teve medo todos os dias. E por que outra pessoa fazia o tempo parar? Tinha me dito que era só você e que só você sabia do nosso segredo.

Continuava me olhando enquanto ele dizia que eu só precisava fazer o que ele queria pra te soltar. Ele me prometia que todo aquele sangue ia sumir e só o que eu conseguia era soluçar de choro e me arrastar em sua direção, enquanto  ele segurava meus pés.

Por que, meu amor, por quê? Por que deixaste? Eu sabia que tudo era seguro e sabia que assim que tocasse meus cabelos, estaríamos de novo naquele lugar secreto, mas agora, alguém queria nos separar, queria tirar nosso esconderijo especial. O que demais poderia haver ali? Ali só nos pertencia e nada era especial, a não ser a nós mesmos.


De repente um vidro se fez e você ficou trancado lá dentro. Eu não pude te libertar e o mundo voltou e não houve mais lágrimas, nem o silêncio. Há só o barulho da minha fraqueza e a sua única bela imagem em meus pensamentos.


Podes ainda me ouvir? Podes?