quinta-feira, novembro 26, 2015

Will I walk the long road?

Era uma quinta feira de chuva às cinco da tarde quando sai do serviço com um só objetivo, parar em frente ao hotel e esperar. Pra quem tinha esperado por 24 anos, algumas horas ali em frente, sentada no cimento frio, segurando um livro, não iriam me esmorecer. Nem o frio, nem a chuva e nem a hostilidade de quem se acha proprietário de alguma coisa.

Vamos recaptular? Quando o ano de 2015 começou, o intuito era fazer com que esse ano fosse inteiro cheio de surpresas. Mas não daquelas que a gente fica esperando acontecer, daquelas que a gente vai atrás e vê acontecer. Daquelas satisfações em ser e fazer a diferença. Não só na vida dos outros mas na nossa própria vida.
Me desculpem os politicamente corretos, mas era o momento de olhar pra mim mesma. Fechar velhas feridas, curar outras recentes, aceitar muitos defeitos e descobrir que há qualidades. Nada disso eu trocaria por nada nesse mundo. E todo momento que vivi foi meu e de mais ninguém.
Ser egoísta é uma coisa, mas se respeitar é outra completamente diferente. E esse ano, acima de todos os outros, de todos os 35 anos da minha existência, eu finalmente me respeitei. Respeitei o fato de que amadureci na idade e na mente, que posso o que quero e que consigo se isso for permitido a mim algum sorriso de felicidade.
Digressões a parte o objetivo era estar ali e esperar. Mas esperar o que? Esperar algo tão importante na minha vida aparecer e dizer oi. Pra qualquer pessoa isso pode parecer algo tão banal e fora da realidade, mas o que importa o que as pessoas pensam? Importava pra mim entregar uma carta de agradecimento e um aperto de mão.
A carta de agradecimento ficou guardada, mas me senti adolescente de novo quando Mike McCready despontou pela calçada e gentilmente tirou fotos e autografou livros e camisetas, como o meu. As palmas das mãos suavam, as pernas tremiam e o estômago revirava em cólicas como a de uma criança que acaba de descer do escorregador pela primeira vez. Ainda esperei por uma hora e meia, mas infelizmente o destino não quis que fosse dessa vez.
Ver o Pearl Jam é sempre uma renovação em minha vida. Desde o primeiro show em 2005, passando pela dobradinha de 2011, 2013, 2014 com o Eddie Vedder em carreira solo e agora em 2015, a ansiedade é a mesma, como se fosse a primeira vez. E ir sem expectativas foi o mais importante, porque expectativas frustam e eu sabia que sentiria tudo menos frustração.
O objetivo era ficar perto, o mais perto que pudesse. Era o momento de todo o ano de mudanças que eu esperava celebrar e eu contei os dias insistentemente e mentalmente, desde quando comprei o ingresso em maio. No fundo, bem lá no fundo, o que eu tinha planejado, eu sabia que ia conseguir. Foi mais que uma celebração, foi o renascimento de alguém que estava preso dentro de mim desde o dia que eu me trancafiei em minha própria mente. Eu era só minha e de mais ninguém. 
Me libertei finalmente. De medos, de frustrações, de inseguranças, de banalidades. Colocar o grito preso na garganta pra que o mundo ouvisse era somente uma consequência. E mais do que o grito, as lágrimas que caiam espontaneamente sem precisar de nenhum esforço.
E o mundo girou por 3 horas e vinte. Incontáveis foram as vezes que o sorriso não saia do rosto ou que a garganta explodia em soluço, sem vergonha nenhuma, que o arrepio passava pelo corpo inteiro e que o coração pulava na boca, tamanha a felicidade.
Eu sai satisfeita. Satisfeita por celebrar 24 anos de amor incondicional, por estar viva e finalmente feliz comigo mesmo. Por não desistir e não esquecer dos meus sonhos, sejam eles pequenos ou maiores do que os meus dois pequenos braços possam suportar.
De vez em quando eu pergunto pra vida, porque me fez tão intensa, tão enlouquecida, tão fiel aos meus princípios, tão sincera. Raramente eu obtenho resposta. Mas aprendi uma coisa, que estar atento aos sinais é de extrema importância. Qualquer sinal, seja ele bom ou ruim. Esse foi o sinal. Sinal de que não preciso pedir permissão a ninguém, hoje sou eu mesma e venho mais forte do que nunca.
"I have wished for so long
How i wish for you today"

quarta-feira, novembro 18, 2015

"Sai correndo e fui abrir o portão. Era ela. Estava sentada de costas, na calçada. Seus cabelos grudados uns nos outros, sua cabeça deitada sobre seus joelhos, abraçada nas pernas. Parecia enfraquecida. Me abaixei e toquei seu ombro pra não assustá-la.

‘Alice?’

‘Eu não consigo me levantar, me ajuda?’

Quando parei de frente pra ela, não a reconheci. Suas roupas pareciam largas, o rosto fino, os olhos fundos, pálida, abatida.

‘O que aconteceu?’ – e coloquei seus braços sobre os meus ombros, lhe levantando sem dificuldades – ‘consegue andar?’ – ela mal conseguia se manter de pé, seus olhos se abriam e se fechavam lentamente

‘Não, não consigo’ – ela falava com dificuldade

Lhe segurei no colo e a levei pra dentro, batendo o portão com o pé. Encostou sua cabeça em meu pescoço, parecendo mole, sem vida.

‘Você é muito bonito’ – ela disse passando seus lábios pelo meu pescoço, respirando com dificuldade

Coloquei Alice no sofá e me senti desesperado quando a vi sob a luz. Seu casaco estava molhado da chuva, os seus cabelos grudados e ela sem expressão, tremia.

‘Onde você estava?’ – lhe perguntei aflito

‘Não sei, sei que a vodca era boa, meus pés não doíam e eu não sentia frio, agora meus pés doem muito’

‘Quer que eu tire seu tênis?’

‘Quero’ – e ela caiu pra trás no sofá, sem aguentar ficar sentada

Quando tirei seu tênis, suas meias eram encharcadas de sangue e estavam grudadas na sola dos pés. Fiquei apavorado.

‘O que fez nos pés?’

‘Cai, na mesa, puf. Pisei nuns vidros, cortei os pés, os braços, a testa, ó’ – e me apontou pra um galo que tinha na cabeça

‘Suas meias, tem sangue, vou leva-la no médico’

‘Não Louis! Médico não, por favor! Não, não, médico, não. Ó, passou a dor, eu juro, passou a dor’ – e ela voltou a se sentar

‘Alice...’ – eu não sabia muito bem o que fazer

‘Deixa assim, vai passar, senta aqui do meu lado, eu sinto muito frio, muito frio...’ – sentei ao lado dela e suas roupas também estavam molhadas

‘Eu vou tentar limpar seus pés, posso?’

‘Médico não, por favor...’ – e ela encostou sua cabeça no meu peito, o cheiro de bebida começava a exalar dela

‘Não vou levar, eu prometo’ – o que diabos estava acontecendo?

‘Tudo gira. Quero vomitar’

Peguei Alice no colo novamente e a levei correndo até o meu banheiro. Quando a coloquei de pé no chão pra leva-la ao vaso sanitário, ela vomitou e caiu, se sujando toda.

‘Me desculpe...’ – ela falava tentando se levantar, meu coração doía, o que tinha acontecido com ela? Porque estava daquele jeito?

‘Eu vou te dar um banho, se importa?’ – eu me sentia constrangido, mas não podia deixa-la daquela maneira, toda suja

‘Não. Louis, me desculpe...eu não quero te atrapalhar’

Fui então tirando suas roupas sujas e jogando pelo chão e ela se cobria, tremendo de frio. Suas pernas e braços eram finos e eu podia contar suas costelas. Não me fazia lembrar nem de longe a última vez que a vi. Seu corpo tinham marcas roxas e arranhões espalhados. Seus pés tinham cortes profundos quando lhe tirei as meias grudadas. E quando a vi se cobrindo de vergonha de mim, tremendo, meu coração doeu.

‘Meu Deus’ – saiu da minha boca sem que eu percebesse

‘Eu sinto frio’ – ela disse sem olhar pra mim

‘Vou te dar um banho quente. Se apoia em mim’

Tirei a blusa que vestia, os tênis e de calças mesmo entrei com ela dentro do chuveiro. Coloquei Alice sentada no chão, ela parecia uma criança. Passei xampu em seus cabelos e creme, lhe tirando a sujeira de todo o corpo. Ela permanecia de olhos fechados, mal conseguia se mover, com a cabeça encostada na parede. Parecia doente, muito doente. Quis chorar quando lhe vi assim.

Quando terminei de lhe dar banho, enrolei-a numa toalha e lhe sequei, colocando roupas minhas, deitando ela na minha cama, de lado e lhe cobrindo com um cobertor.Fui até lá fora e peguei uns panos pra limpar o banheiro. Alice parecia ressonar quando passei pelo quarto. Enquanto limpava, pensava o que será que tinha acontecido com a minha menina."