quarta-feira, outubro 26, 2022

Trojan Blue

 


Existe uma diferença gritante entre essas duas pessoas. E nem estou dizendo das diferenças físicas. A primeira sempre teve medo, se escondeu por anos, nunca quis se olhar no espelho e se achava estranha quando passava uma maquiagem. Sentia medo de ser ridicularizada, de ser machucada, de ser rechaçada. Vivia com raiva de si, com raiva do mundo, emburrada e mal resolvida consigo. Dificilmente acordava de bom humor ou sorria sem motivo no meio do dia. Sempre quis que alguém lhe visse mas nunca deixava ninguém se aproximar, sua casca dura a protegia dos males da vida. Um dia, algo explodiu. A dor psicológica se tornou física, o medo de perder a vida se tornou maior que o medo de ter perdido tantas coisas ao longo do caminho, o cérebro parecia girar mais rápido que o mundo, o suor frio escorria pela nuca, o formigamento se espalhava pelo corpo, o ar não chegava aos pulmões, o coração batia mais rápido que o peito pudesse aguentar. A cama se tornou seu refúgio, as histórias passavam pelos seus olhos e a vida ia te dando uma rasteira atrás da outra, te provando que sua casca era tão fina que um simples trinco fez com que ela se quebrasse em mil cacos  que já não davam mais pra colar. Pra chegar nessa segunda, houve mil crises em posição fetal, duas idas ao pronto socorro, um pedido de socorro ao céus clamando por não passar mais por isso, um tratamento longo e que ainda continua com remédios, suor, lágrimas e muita resiliência. E aos poucos a segunda vai perdendo o medo de se olhar no espelho, de usar uma maquiagem, de cortar o cabelo como quiser, de pintá-los como quiser, de usar as roupas que quiser, de lutar diariamente com o medo de ser ridicularizada, de se expor, de falar sobre seus problemas, de ser gentil e amável quando deve ser e de aceitar a ajuda do próximo, seja ela de quem vier. Quando eu fiz essas duas imagens não foi só pra comparar a diferença física entre as duas, mesmo porque não foi uma dieta, uma academia ou nenhum procedimento estético que fez com que isso acontecesse, e sim uma doença a qual se tornou crônica. Essa imagem foi feita pra olhar pra elas e lembrar que o caminho entre uma e outra foi longo, que todos os dias a luta para que a cura aconteça é estafante, que muitas horas a vontade de largar tudo é grande, que o cansaço toma conta nos momentos mais variados do dia, desistir e resiliência são duas palavras que caminham juntas lado a lado. Não é fácil sorrir, não é fácil mudar velhos hábitos, não é fácil fingir que está tudo bem quando não está, não é fácil querer gritar do nada e se calar ou chorar sem parar mais porque o medo toma conta em questão de segundos e tudo parece escurecer sem precedentes. Não é sobre ter pensamentos positivos, é sobre respirar e aceitar. É sobre conviver e se levantar novamente, não importa quantas vezes cair. É saber que a linha tênue da loucura está em suas mãos e cabe a você se vai atravessá-la ouse vai continuar espiando por cima da linha.