terça-feira, maio 19, 2015

Alice ia falando sem parar e eu segurando em sua mão. Quanto tempo eu levaria, até segurar nelas de novo? Quando ela foi se despedir de mim, seus olhos se encheram de lágrimas novamente e eu só conseguia pensar ‘não vá embora’.
‘Eu não queria ir, te deixar, vamos comigo?’ – ela me disse e aquela frase era mais devastadora que suas lágrimas
‘Também não queria, mas precisamos trabalhar’ – e se ela insistisse, largava tudo e fugiria com ela, naquele momento
Sequei suas lágrimas, fazendo um carinho no seu rosto, seus olhos negros me olhavam.
‘Se agasalha e não vá pra casa sozinha, pede pra algum dos seus amigos ir te buscar. Quando chegar, me ligue também, pra eu saber que chegou bem’
‘Tudo bem’
Dei um beijo no seu rosto e me afastei dela. Virei de costas, não queria a ver partir. Minha garganta doía.
‘Louis!’ – ela falou antes que eu sumisse
Me virei e ela veio de encontro a mim, num abraço tão forte que eu podia sentir seu coração bater em meu peito. Ela chorava e me agradecia, me dando mais beijos no rosto. Minha garota. Uma menina.
‘Não se atrase’ – ainda disse a ela antes dela partir
‘Te vejo em breve’ – foi sua última frase
‘Sim, em breve’ – e apertei sua mão
Ela voltou pro portão e ainda a olhei de costas, os cabelos caindo sobre os ombros. Me virei e andei o mais depressa que pude. Os olhos embaçados, a cabeça vazia.

Quando cheguei no hotel, seu quarto ainda estava lá, do jeito que ela tinha deixado. Deitei em seu travesseiro e o abracei, chorando como criança. Minha garota tinha ido embora, eu sabia que ela tinha ido embora. Eu não deveria ter deixado com que ela fosse.

segunda-feira, maio 11, 2015

"Tell her I wanted to say goodbye
Before the light was dead and gone
Tell her I didn't want to lie
Left here well enough alone"

Mark Lanegan - Low


terça-feira, maio 05, 2015

Versus Chorus Versus

Será que vale a pena invadir a privacidade de alguém às custas de ganhar uma grana astronômica? Deve valer, porque foi isso que a filha de Kurt Cobain fez ao ajudar a produzir Montage of Heck.
Se eu assisti? Claro. Vou ser hipócrita e dizer que não? Não, não sou hipócrita. Sou fã, sempre fui e sempre vou ser.
Inicialmente é algo encantador ver Kurt tão bonitinho, loirinho, meigo, criança inocente. Dá até pra sorrir e pensar, como é que uma criança tão encantadora foi ter um fim tão trágico? Pois é. Tenho certeza de que se os pais dele soubessem o que ia acontecer no futuro, não tinha feito dele um ping-pong humano.
Infelizmente ou felizmente pra muita gente, não dá pra se prever o futuro. No caso de Kurt talvez tivesse salvado sua vida. Mas será que se ele não tivesse passado por esse processo, ele seria o mesmo Kurt Cobain que escreveria Nevermind e revolucionaria tudo do jeito que revolucionou? Provavelmente não. Estaria a salvo, mas a sua brilhante mente hoje estaria dentro de algum escritório perdido em algum lugar do mundo.
Kurt se tornou um perturbado. Sofreu e se deixou sofrer porque na graça do sofrimento ele não enxergava a vida como muitas outras pessoas enxergam. E aí estava a graça. Um ciclo sem fim que lhe alimentava e lhe fazia sentir vivo. Mas isso lhe transformou numa pessoa doente. Doente de verdade, faltando alguma conexão cerebral importante pra que ele conseguisse escapar desse lugar tão sombrio que eram os seus sentimentos. E ele era só sentimento.
Inicialmente, o simples fato da produção de toda forma de se expressar que ele encontrou talvez o mandasse pra um lugar feliz e confortável, onde aquilo fazia sentido. Mas quando ele transferiu o seu lugar feliz para as drogas e o amor, a vida complicou de uma maneira que não tinha mais saída.
Se eu acho que Kurt estaria vivo hoje se não tivesse perdido a linha que separava a sanidade da completa loucura? Claramente não. Em quase 2 horas e meias de filme em agonizantes imagens onde Kurt parecia cada vez mais doente e mais dependente químico, dava pra saber que se a bala não atravessasse sua cabeça, a heroína um dia lhe faria uma viagem sem volta.
Aparentemente ele já não tinha mais forças ou vontade de lutar contra o entorpecimento. E uma cena que me chocou muito no filme, já quase no final, é ele segurando sua filha, seminu, com feridas e manchas espalhadas pelo rosto e pelo corpo, curvado e de olhos semicerrados, completamente fora da realidade. Triste, devastador.
Se sua filha precisava expo-lo dessa maneira? Cada um com sua consciência. Sinceramente, não sei se ele gostaria de ter sido exposto dessa maneira. Eu tenho certeza de que não gostaria que me expusessem dessa maneira.
Kurt era um cara cheio de raiva presa dentro da garganta. Uma raiva que não tinha fim, nunca teria fim. A morte lhe deu um descanso pra um corpo e uma alma maltratada. Um fim pra sua constante desilusão. Mas nesse momento as palavras me faltam, definir alguém tão indefinível é transforma-lo em algo muito pequeno.
Montage of Heck é um filme triste e perturbador, pra não dizer, devastador. Um constante nó na garganta. Uma inexplicável dor.

Aos domingos, minha eterna felicidade. As segundas, os constantes efeitos.

Bem vindas todas as bandas que vem visitar o Brasil e nos fazer shows caros e lucrativos, mas que lavam a alma.
A música tem um efeito de parar o tempo por algumas horas. Hein? É. O tempo pára sem ao menos você perceber e você nem se dá conta de quantas coisas aconteceram a sua volta ou simplesmente não aconteceram.
Os festivais são bons formatos pra aqueles que tem coragem de ver muitas coisas ao mesmo tempo. Eu sou adepta do show único, da experiência contínua que um artista pode te dar naquela apresentação.
Em poucos meses estive em bons shows. E me dediquei inteiramente a eles. Os anos me trouxeram uma maturidade que os adolescentes ainda desconhecem. Poder estar presente em algum lugar inteiramente dedicado a transcender juntamente com aquele momento mágico e único que aquela banda que você realmente gosta pode te dar é melhor que qualquer viagem.
Sem drogas, sem sexo, mas com muito rock n'roll. Nesses últimos meses um turbilhão de sentimentos se espalharam por mim em alguns domingos, sábados, mas o que importa? Importante é acordar na segunda feira sem poder se mexer (porque aos 35, a vida te cobra caro os excessos), mas saber que valeu a pena. E valeu a pena, cada gota de suor e cada lágrima derramada. Lágrima? Sim.
Tem como não chorar ao ver  Dave Grohl sentar na bateria e te fazer lembrar que ele simplesmente esteve em uma das bandas mais importantes do mundo da música? Impossível. Obviamente o Foo Fighters não tem nada de Nirvana. Mesmo porque o Dave tá longe de não ser tão fã do excesso da fama como era o Kurt, assim como a diferença é gritante de um cara expansivo e alegre pra um cara tímido e explosivo no palco. Nunca mais vou poder ver o Nirvana, mas ver o Dave e seu Foo Fighters  já me trouxe a boa lembrança do porque sou um produto dos anos 90.
O Smashing Pumpkins, por exemplo,  me fez chorar como criança. Era como poder voltar a ter 18 anos novamente. E importa pra alguém? Não sei, pra mim, importa. Se eu fechasse os olhos podia ainda lembrar do cheiro do Olympia e de quantas pessoas tinham por ali, na época que os vi, ainda em formação original. Mas garanto que o show de 2015 foi mais matador, mais visceral e mais poderoso do que foi há quase 20 anos atrás. Porque? Não sei explicar. Talvez minha cabeça estivesse mais apta pra entender coisas que não conseguia entender quando jovem. E claro, a maturidade dos músicos também ajuda e muito.
Jack White é um rock star desses que faltam hoje em dia. Em meio há tantas bandas que a guitarra não é o elemento principal e que a letra não importa muito, mas sim os refrões que colam na cabeça e que não saem de lá por meses a fio, ver alguém com tanta habilidade musical é de explodir a sua cabeça em mil pedaços. Dá gosto de gostar de rock de novo.
Robert Plant é lenda? É. Ao vivo mais ainda. Só a presença já causa arrepio nos pelos do corpo. Caspita, que maravilhoso poder sentir isso. E daí que ele não tocou todas as músicas que a galera sonhou que ele tocaria? Dane-se. O cara faz você voltar pra 1970 e meu pai tinha cabelo quando ele tocou 'Going To California'. Deu pra segurar o puta que pariu preso na garganta? Claro que não.
E o Ozzy? Tá gagá? Provavelmente. Mas quando aquela voz poderosa ecoa pelo lugar, arrebentando em 'Mr. Crowley' dá uma felicidade instantânea tão espetacular que não dá pra explicar. Incontável as vezes que fiquei em silêncio só pra poder ouvir aquela voz ecoar tão limpa ainda.
E o Kiss, que é daquelas bandas que você precisa ver ao vivo, tipo U2. Precisa, saca? É história, não dá pra não pular junto e ficar besta ainda de ver o palco todo se mexer. E você olha pro lado e vê a galera de boca aberta prestando atenção. É algo realmente impagável.
Puta merda, como é bom ter o privilégio de ver tudo isso. Como é bom se privar de algumas coisas pra poder ter algumas horas de tantas excelentes alegrias na vida. E nada me trás mais alegria do que isso. Nada, mesmo. É o único amor puro e verdadeiro que nutro ainda. A música me move e sempre vai mover, me fazendo pensar e recapitular e reviver e colocar pra fora aquilo que de alguma forma precisa sair.
Ah meus amigos, não há nada melhor que sonhar acordado. Nada.