"Fábio conversava comigo e me contava como estava
sendo estar ali nos últimos meses, quando de repente eu ouço uma voz familiar
atrás de mim.
‘Alice?’
‘Oi?’ – e virei, dando de cara com Matthew, um frio
instantâneo na barriga me deu
‘Tudo bem?’ – e se abaixou até meu rosto, me dando
um beijo
‘Ah. Tudo. Esse é Fabio, lembra dele?’
‘Sim’
Matthew foi cumprimentar Fábio e pude vê-lo. Seus
cabelos mais curtos, uma calça preta e uma camiseta branca lhe vestiam por
baixo de uma jaqueta de couro. Seus olhos pareciam mais turquesa, com a melhor
aparência que já tinha lhe visto.
‘O que faz em Nova York?’ – ele me perguntou, como
se tivesse me visto no dia anterior e nada tivesse acontecido entre nós
‘Vim visitar Fábio que tá por aqui uns meses. E
você?’ – não sabia se estava mais surpresa com sua atitude ou com a maldita
coincidência
‘Ah, turnê. Fizemos um show ontem e amanhã a noite
já vou pra outra cidade’
‘Hum, que bom’
‘Bom, vou deixar vocês a vontade. Foi bom te ver’ –
e ele ainda olhou pra mim, me sorrindo
Quando ele se afastou, Fábio me olhou me
perguntando já
‘O que foi isso?’
‘Não sei. Só sei que numa cidade desse tamanho eu
tenho a sorte de encontrar justo esse homem aqui...’ – lhe disse nervosa
‘Quer ir embora?’
‘Não. Aí vai dar na cara que estou incomodada com a
sua presença. E quer saber? Que se dane, tô cansada de ser idiota na vida’ –
mentira, estava mesmo era muito nervosa com aquela situação
‘Mas você tá bem?’
‘Tô. Fico é puta da vida com essa cara de pau,
depois de quase um ano que nem me procurou pra saber porque eu tinha ido
embora, depois de tudo o que ele aprontou comigo, ainda vem aqui e fala comigo
como se nada tivesse acontecido!’
‘Pois é. Nem vou falar nada porque nem sei como me
comportaria nessa situação’
A comida ainda demorou pra chegar e aquela cena
ainda me incomodava. Ainda me virei lhe procurando discretamente e ele jantava
em uma mesa um pouco mais atrás de mim, com mais dois caras.
Quando terminamos de comer, já pedimos a conta. Me
sentia desconfortável, queria sumir dali. A cara de pau de Matthew tinha sido
tanta que eu nem podia acreditar. Saí então pela porta junto com Fábio e vi
Matthew do lado de fora, fumando um cigarro.
Fui caminhando com Fábio pela calçada, quando senti
meu braço sendo puxado.
‘Alice, espera’ – era Matthew novamente – ‘Eu
queria conversar com você’
‘Desculpe Matthew, preciso ir. A gente se fala
outra hora’ – e segurei no braço de Fábio que quase atravessava a rua, parando
e me vendo nessa situação
‘Alice, por favor. Já faz quase um ano. Eu mereço
uma explicação de você ter sumido...’
‘Você sabe porque fui’ – lhe disse com raiva já
‘Alice, por favor. Eu prometo que não vou tomar seu
tempo. Também quero me explicar...’ – e me olhou dentro dos olhos, como fazia
quando me conheceu, me deixando inerte. Me virei a Fábio, querendo uma solução
‘Alice, tudo bem?’ – me perguntou Fábio voltando
até mim
‘Ele quer conversar comigo’ – e me afastei de Matthew
‘Se quiser ficar pra conversar com ele, não tem
problema. A gente se encontra em algum lugar, pode ligar pro meu número depois’
– me disse Fábio
‘Fá, eu...’ – me sentia numa confusão de
sentimentos
‘Alice, vai. Precisa colocar suas frustrações pra fora,
pra poder seguir sua vida’ – disse Fábio
‘Mas, a gente tinha combinado...’
‘Ei, eu me viro. Não se preocupe por minha causa.
Não sou Cacá, John ou Lex, que iam ficar putos com uma situação dessa. Eu sei
muito bem o que é isso, já passei por isso. Então, vai falar com ele. Depois me
liga ou se quiser voltar pra casa, a chave tá naquele lugar que te mostrei’ – e
sorriu pra mim
‘Ok. Você me perdoa?’
‘Bonita, não precisa do meu perdão. Precisa ficar
bem, de vez, ok?’ – e me deu um beijo
‘Ok’
Me voltei a Matthew, que ainda me esperava, com as
duas mãos no bolso.
‘Tem um café aqui perto, é meio vazio, podemos ir
pra lá’ – ele me disse
‘Ok’
Fui andando ao lado de Matthew, sem trocar uma
palavra e sem ao menos olhar em seus olhos. A sua presença me incomodava e
aquele turbilhão de coisas presas na minha garganta me faziam tremer. Entramos
então no café e sentei em frente a ele à mesa.
‘Como você está?’ – ele me perguntou enquanto
tomava um café
‘Bem. Você?’
‘Bem. O álbum finalmente saiu e a turnê já está
acontecendo há umas semanas já’
‘Que bom’ – não conseguia encará-lo
‘E a faculdade?’
‘Termina semestre que vem’
‘Que bom e está trabalhando?’
‘Sim, arrumei um estágio em um jornal’
‘Bom. E a música?’ – ele não me tirava os olhos, me
fazendo me sentir cada vez mais constrangida com aquela conversa
‘Desisti. Resolvi focar na faculdade’ – a garganta
me doía
‘Hum. E seus amigos?’
‘Todos bem’ – respondia monossilabicamente, as mãos
não paravam quietas em cima da mesa, as pernas tremiam
‘Alice, na verdade, eu queria conversar com você
porque, tentei contato quando você foi embora, mas não consegui te encontrar
e...’ – e Matthew colocou sua mão sobre a minha, se inclinando pra frente na
cadeira
‘Matthew, por favor, não...’ – e puxei minhas mãos,
prendendo-as entre as minhas pernas
‘Eu queria te pedir desculpas. Nunca fui o cara
perfeito’ – ele me olhava nos olhos, sem parar
‘Você mentiu pra mim...’ – a frase saiu e minha
garganta doía mais, as lágrimas me vinham aos olhos, de desespero, de dor
‘Eu sei, eu disse que não sou o cara perfeito’
‘Por que? Por que mentiu pra mim?’ – eu era uma
indignação só
‘Não sei. Talvez faça parte da minha natureza’ –
ele abaixou a cabeça, confessando os seus próprios erros
‘Hum. Ótimas desculpas’ – já sentia raiva daquilo
tudo
‘Não. Eu sei que não são’
‘Eu te amava Matthew. Te amava. Você sabia. Como
pode?’ – e as lágrimas caíram, de raiva
‘Eu não sei...’ – ele me disse voltando a me olhar
nos olhos
‘Não sabe? Era isso que tinha pra falar comigo? Que
não sabe?’ – lhe levantei levemente a voz
‘Eu queria te dizer que sinto muito. Talvez
tivéssemos que ter separado quando as coisas não ficaram bem entre nós’
‘Sim, quando passei a fazer tudo o que você pedia,
me tornando praticamente sua mãe e sua empregada’ – a raiva era grande
‘Não fale assim, Alice. Eu sei que ainda se lembra
que tivemos bons momentos’
‘Bons momentos? Os que eu me sujeitei a ser
praticamente sua amante, enquanto Liza morava na sua casa, brincando de casinha
com seu filho e eu fazia de tudo pra poder ter você? Aqueles em que aceitei
qualquer condição e fui me tornando o que você queria que eu me tornasse, uma
trouxa que você podia trair e voltar pra cama dela, quando lhe desse na telha?’
– lhe disse com raiva, a veia pulando no pescoço, o corpo inteiro tremendo
‘Eu te quis Alice. Te amei também...’
‘Será Matthew? Será que um dia me amou? Será que
você sabe o que é isso?’
‘Sim, claro que sim. Mas não sou perfeito, nunca
fui. Não sei ter essa relação que você quer ter e...’
‘Não sabe ter uma relação? Não sabe ter respeito
por alguém que lhe devote tempo e carinho? Eu deveria saber, afinal, fui a
outra. Aliás Matthew, será que um dia você realmente amou alguém?’ – e aquilo
me doía mais
‘Não fale assim, você não sabe. Eu sou...’ –
Matthew tentava me explicar o que não tinha explicação
‘Um mentiroso? Obrigada Matthew, obrigada pela
honestidade’ – e levantei da mesa, as lágrimas escorrendo, indo embora, andando
pela rua, querendo sumir, aparecer em outro lugar, esquecer que aquela conversa
existiu
‘Onde você vai?’ – ele falou atrás de mim, me
puxando novamente o braço – ‘não terminamos de conversar’
‘Terminamos sim, Matthew. Eu não tenho mais nada
pra conversar com você. Me deixe ir’
‘Não, você precisa me ouvir. Aconteceu sim, mas
você foi embora sem me ouvir, não significava que eu não gostasse de você’
‘Ah não! Normal então! Eu gosto de você, mas vou
pra cama com outra, sua idiota!’ – e gritei, me livrando do seu braço, andando
depressa
‘Espera!’ – e Matthew me puxou com força, me
colocando o corpo próximo do dele
‘Me larga, Matthew. Me deixa ir’ – ainda falei
enquanto tentava me soltar de suas mãos
‘Ah pequena, se você soubesse como ainda me
alucina...’ – e Matthew me olhou de perto, me beijando
‘Não Matthew...’ – as lágrimas me escorriam
Matthew voltou a me dar outro beijo. E outro. E
outro. E eu tinha me soltado em seus braços. Ainda tinha o mesmo domínio sobre
mim, ainda era o homem que tinha me apaixonado perdidamente e ainda me atraía,
mesmo sabendo que ele não prestava. No fundo eu sempre soube.
Quando percebi, já dormia em seus braços no
quarto de seu hotel e o olhei novamente, não o reconhecia. Algo tinha se
quebrado dentro de mim. Enquanto ele dormia, peguei minhas roupas, me troquei e
ainda o olhei antes de sair pela porta, como na primeira vez que tinha me
entregue a ele. Dessa vez não tinha paixão. Tudo tinha se acabado."
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