"Sai correndo e fui abrir o portão. Era ela. Estava
sentada de costas, na calçada. Seus cabelos grudados uns nos outros, sua cabeça
deitada sobre seus joelhos, abraçada nas pernas. Parecia enfraquecida. Me
abaixei e toquei seu ombro pra não assustá-la.
‘Alice?’
‘Eu não consigo me levantar, me ajuda?’
Quando parei de frente pra ela, não a reconheci.
Suas roupas pareciam largas, o rosto fino, os olhos fundos, pálida, abatida.
‘O que aconteceu?’ – e coloquei seus braços sobre
os meus ombros, lhe levantando sem dificuldades – ‘consegue andar?’ – ela mal
conseguia se manter de pé, seus olhos se abriam e se fechavam lentamente
‘Não, não consigo’ – ela falava com dificuldade
Lhe segurei no colo e a levei pra dentro, batendo o
portão com o pé. Encostou sua cabeça em meu pescoço, parecendo mole, sem vida.
‘Você é muito bonito’ – ela disse passando seus
lábios pelo meu pescoço, respirando com dificuldade
Coloquei Alice no sofá e me senti desesperado
quando a vi sob a luz. Seu casaco estava molhado da chuva, os seus cabelos
grudados e ela sem expressão, tremia.
‘Onde você estava?’ – lhe perguntei aflito
‘Não sei, sei que a vodca era boa, meus pés não
doíam e eu não sentia frio, agora meus pés doem muito’
‘Quer que eu tire seu tênis?’
‘Quero’ – e ela caiu pra trás no sofá, sem aguentar
ficar sentada
Quando tirei seu tênis, suas meias eram encharcadas
de sangue e estavam grudadas na sola dos pés. Fiquei apavorado.
‘O que fez nos pés?’
‘Cai, na mesa, puf. Pisei nuns vidros, cortei os
pés, os braços, a testa, ó’ – e me apontou pra um galo que tinha na cabeça
‘Suas meias, tem sangue, vou leva-la no médico’
‘Não Louis! Médico não, por favor! Não, não,
médico, não. Ó, passou a dor, eu juro, passou a dor’ – e ela voltou a se sentar
‘Alice...’ – eu não sabia muito bem o que fazer
‘Deixa assim, vai passar, senta aqui do meu lado,
eu sinto muito frio, muito frio...’ – sentei ao lado dela e suas roupas também
estavam molhadas
‘Eu vou tentar limpar seus pés, posso?’
‘Médico não, por favor...’ – e ela encostou sua
cabeça no meu peito, o cheiro de bebida começava a exalar dela
‘Não vou levar, eu prometo’ – o que diabos estava
acontecendo?
‘Tudo gira. Quero vomitar’
Peguei Alice no colo novamente e a levei correndo
até o meu banheiro. Quando a coloquei de pé no chão pra leva-la ao vaso
sanitário, ela vomitou e caiu, se sujando toda.
‘Me desculpe...’ – ela falava tentando se levantar,
meu coração doía, o que tinha acontecido com ela? Porque estava daquele jeito?
‘Eu vou te dar um banho, se importa?’ – eu me
sentia constrangido, mas não podia deixa-la daquela maneira, toda suja
‘Não. Louis, me desculpe...eu não quero te
atrapalhar’
Fui então tirando suas roupas sujas e jogando pelo
chão e ela se cobria, tremendo de frio. Suas pernas e braços eram finos e eu
podia contar suas costelas. Não me fazia lembrar nem de longe a última vez que
a vi. Seu corpo tinham marcas roxas e arranhões
espalhados. Seus pés tinham cortes profundos quando lhe tirei as meias
grudadas. E quando a vi se cobrindo de vergonha de mim, tremendo, meu coração
doeu.
‘Meu Deus’ – saiu da minha boca sem que eu
percebesse
‘Eu sinto frio’ – ela disse sem olhar pra mim
‘Vou te dar um banho quente. Se apoia em mim’
Tirei a blusa que vestia, os tênis e de calças
mesmo entrei com ela dentro do chuveiro. Coloquei Alice sentada no chão, ela
parecia uma criança. Passei xampu em seus cabelos e creme, lhe tirando a
sujeira de todo o corpo. Ela permanecia de olhos fechados, mal conseguia se
mover, com a cabeça encostada na parede. Parecia doente, muito doente. Quis
chorar quando lhe vi assim.
Quando terminei de lhe dar banho, enrolei-a numa
toalha e lhe sequei, colocando roupas minhas, deitando ela na minha cama, de
lado e lhe cobrindo com um cobertor.Fui até lá fora e peguei uns panos pra limpar o
banheiro. Alice parecia ressonar quando passei pelo quarto. Enquanto limpava,
pensava o que será que tinha acontecido com a minha menina."
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