Será que vale a pena invadir a privacidade de alguém às custas de ganhar uma grana astronômica? Deve valer, porque foi isso que a filha de Kurt Cobain fez ao ajudar a produzir Montage of Heck.
Se eu assisti? Claro. Vou ser hipócrita e dizer que não? Não, não sou hipócrita. Sou fã, sempre fui e sempre vou ser.
Inicialmente é algo encantador ver Kurt tão bonitinho, loirinho, meigo, criança inocente. Dá até pra sorrir e pensar, como é que uma criança tão encantadora foi ter um fim tão trágico? Pois é. Tenho certeza de que se os pais dele soubessem o que ia acontecer no futuro, não tinha feito dele um ping-pong humano.
Infelizmente ou felizmente pra muita gente, não dá pra se prever o futuro. No caso de Kurt talvez tivesse salvado sua vida. Mas será que se ele não tivesse passado por esse processo, ele seria o mesmo Kurt Cobain que escreveria Nevermind e revolucionaria tudo do jeito que revolucionou? Provavelmente não. Estaria a salvo, mas a sua brilhante mente hoje estaria dentro de algum escritório perdido em algum lugar do mundo.
Kurt se tornou um perturbado. Sofreu e se deixou sofrer porque na graça do sofrimento ele não enxergava a vida como muitas outras pessoas enxergam. E aí estava a graça. Um ciclo sem fim que lhe alimentava e lhe fazia sentir vivo. Mas isso lhe transformou numa pessoa doente. Doente de verdade, faltando alguma conexão cerebral importante pra que ele conseguisse escapar desse lugar tão sombrio que eram os seus sentimentos. E ele era só sentimento.
Inicialmente, o simples fato da produção de toda forma de se expressar que ele encontrou talvez o mandasse pra um lugar feliz e confortável, onde aquilo fazia sentido. Mas quando ele transferiu o seu lugar feliz para as drogas e o amor, a vida complicou de uma maneira que não tinha mais saída.
Se eu acho que Kurt estaria vivo hoje se não tivesse perdido a linha que separava a sanidade da completa loucura? Claramente não. Em quase 2 horas e meias de filme em agonizantes imagens onde Kurt parecia cada vez mais doente e mais dependente químico, dava pra saber que se a bala não atravessasse sua cabeça, a heroína um dia lhe faria uma viagem sem volta.
Aparentemente ele já não tinha mais forças ou vontade de lutar contra o entorpecimento. E uma cena que me chocou muito no filme, já quase no final, é ele segurando sua filha, seminu, com feridas e manchas espalhadas pelo rosto e pelo corpo, curvado e de olhos semicerrados, completamente fora da realidade. Triste, devastador.
Se sua filha precisava expo-lo dessa maneira? Cada um com sua consciência. Sinceramente, não sei se ele gostaria de ter sido exposto dessa maneira. Eu tenho certeza de que não gostaria que me expusessem dessa maneira.
Kurt era um cara cheio de raiva presa dentro da garganta. Uma raiva que não tinha fim, nunca teria fim. A morte lhe deu um descanso pra um corpo e uma alma maltratada. Um fim pra sua constante desilusão. Mas nesse momento as palavras me faltam, definir alguém tão indefinível é transforma-lo em algo muito pequeno.
Montage of Heck é um filme triste e perturbador, pra não dizer, devastador. Um constante nó na garganta. Uma inexplicável dor.
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