sexta-feira, janeiro 01, 2021

Janeiro, 2021

Eu demorei muitos anos pra entender o conceito de relacionamento abusivo. E depois de tanto tempo eu me recordo vividamente o quanto me senti culpada por não ser capaz de fazer o outro feliz. Fui chamada de louca tantas vezes que não consigo nem contar. Sofri abuso físico, mas o maior abuso foi o psicológico. Até hoje ainda pula bem de vez em quando no meu cérebro, que não sou capaz de alguém gostar de mim por completo. Claro que isso hoje é bem menos recorrente do que já foi um dia. Aparece com bem menos frequência e em momentos específicos. Mas vejo os relatos de outras mulheres e penso: nossa, passei igualzinho por isso e achei que a culpa era minha. A culpa era minha por que meus amigos eram boçais. A culpa era minha porque eu me sentia desconfortável na presença da família que também me abusava psicologicamente. A culpa era minha porque eu tinha acabado de me formar e ganhava pouco. Depois a culpa era minha porque melhorei na profissão e comecei a ter grana pra comprar coisas que eu queria ou gostava. A culpa era minha porque eu queria ir num show mas o outro considerava supérfluo. Aí eu tinha culpa também porque estava sempre brigando pra manter o peso, imagina se eu ficasse grávida, o quão gorda eu ia ficar? A culpa era minha porque eu não queria ficar o fim de semana trancada em casa, mas tudo o que eu queria fazer era muito longe e tomava muito o tempo precioso de quem trabalhava demais. E eu consegui repetir esse padrão várias vezes, não foi em um relacionamento só. A culpa continuou sendo minha quando estava terminando o meu doutorado, conhecendo o mundo, fazendo movimentos para meu crescimento pessoal. A culpa era minha se eu já não aguentava mais manter uma relação que só me desgastava e me ameaçava a todo custo que se eu virasse as costas, a culpa seria minha pelo suicídio. A culpa era sempre minha, não importava qual o motivo.


No fim, a culpa era minha porque eu não tinha aprendido a gostar de mim mesma. Estou há muitos anos sem ninguém. Aprendi a gostar de mim. A ir em shows sozinhas e sorrir e chorar por minhas vitórias e derrotas. Aprendi a conviver comigo e perceber que não sou tão péssima assim. Aprendi a perceber que em alguns momentos eu pude fechar os olhos e perceber que eu não dependia de ninguém para estar onde eu estava, fazendo o que eu fazia ou sentindo o que eu sentia. 


O que eu desejo? Que mulheres parem de se culpar e percebam que amor e felicidade é pra somar e não pra depender.

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