"Outros discos saíram, outras turnês foram feitas.
Outros estagiários entraram no estúdio e mesmo depois de 11 anos, ainda olhava
pelo vidro e me lembrava de Alice.
Eu podia notar que alguns cabelos brancos me saiam
e que tinha envelhecido, por conta dos meus mais de 40 anos. Às vezes me pegava
pensando que tive tanto medo de me tornar um homem casado e com filhos e no
fim, era isso que tinha acontecido.
Alice e eu nos falávamos umas duas vezes por ano. O
trivial. Depois que ela perdeu os bebês, me ligava pra manter contato e eu
fazia o mesmo. Não a tinha visto mais desde aquela época e depois de Matthew,
teve outro relacionamento que não deu certo. Mas seguia, sem grandes percalços. Talvez tivesse
aprendido com a vida.
Se eu ainda gostava dela? Sim. A falta de
proximidade e minha idade não me davam mais os mesmos calafrios, mas todas as
memórias que eu tinha dela ainda eram muito vívidas em minha cabeça.
Por um incidente do destino, uma fatalidade, ela me
ligou e nos encontramos de novo em um funeral. Dessa vez quem tinha falecido
era Lex. Tinha 29 anos, um ano só a mais que Alice.
Kevin e Pete me acompanharam a cerimônia e ao
enterro. Alice era mais velha, seus cabelos estavam curtos, com uma franja
comprida lhe caindo de lado aos olhos, menos loira do que antes. Já não usava
mais calças jeans e tênis. Tinha se tornado uma mulher bem elegante.
Alice chorava muito, tanto na cerimônia, quanto no
enterro, talvez mais que a própria esposa de Lex. Ainda me lembrava das coisas
que me contara quando tinha mudado pra cá. Sei que o amigo ia lhe fazer uma
falta tremenda.
Eu a contemplava de longe, vendo seu casaco preto
lhe acentuado a cintura, as botas pretas por cima das calcas justas, ela com as
mãos no bolso, Cacá lhe abraçando. As pessoas indo lhe dar os pêsames.
‘Vai falar com ela’ – disse Kevin olhando pra mim
‘Não sei se devo...’ – ainda me sentia constrangido
com sua presença
‘Louis, o que você sentiria se fosse você que estivesse
no lugar dela e ela não fosse te dizer nem oi?’
Kevin era sempre duro comigo, era a única pessoa
que sabia de meus pensamentos em confissão calada e sei lá porque motivo, ele
me compreendia.
Segui então até ela e antes de me aproximar,
cumprimentei seus amigos e a esposa de Lex, dando os meus sentimentos. Quando
cheguei próximo a ela e a vi devastada, quis chorar.
‘Que bom que veio’ – ela me disse, me dando um
abraço
‘Meus sentimentos’
‘Obrigada Louis. Meu irmão, eu não consigo
acreditar...’
‘O que aconteceu com ele?’
‘Lex ficou doente depois de visitar seus pais. Uma
semana depois que chegou internou e na outra não suportou mais. Pegou uma
infecção generalizada, parou de andar, mexer os braços e falar...’ – ela mal
conseguia falar
‘Eu sinto muito, Alice. Sei o quanto ele era
importante pra você’
‘Pois é. Parece que estou fadada a perder tudo o
que é importante pra mim’ – ela me olhou com lágrimas nos olhos, mais negros,
mais tristes
‘Não fale assim’ – e passei a mão em seus cabelos,
lhe colocando a franja que caía em seus olhos, por trás da orelha
‘É verdade. Perdi tudo. Ou quase tudo. Até você,
que nunca quis perder, eu perdi’ – aquela frase me cortou por dentro
‘Não me perdeu. Eu estou aqui’
‘Mas não convive mais comigo. Já perdi as contas de
quantos anos não te vejo’
‘Ainda nos falamos...’
‘Sim, em aniversários e só’ – ela mal olhava pros
meus olhos
‘Nossas vidas...’ – eu sentia vergonha, porque ela
tinha razão e eu também a tinha perdido de uma certa maneira, mais do que ela a
mim
‘Sim, eu sei Louis. Você casou, tem filhos.
Eu...bom...enfim...’
‘Ei, não fale assim. Sei que está revoltada por
conta de tudo que aconteceu com Lex’
‘Ele não merecia. Lex não tinha boca pra nada. Não
conheci ninguém como ele, era praticamente um anjo...’
‘Boas pessoas não sofrem nesse mundo, Alice’
‘Então devo ser muito mal, porque cada hora é um
tombo diferente’
‘Não fale assim’ – e subi seu queixo, fazendo com
que seus olhos cheios de lágrimas se encontrassem com os meus
‘Queria voltar pra aquele estúdio, a primeira vez
que te vi, lembra?’ – sua frase fez com que os meus olhos se enchessem de
lágrimas e a dor na garganta que sentia toda vez que eu sentia sua falta
aparecesse
‘Lembro’ – minha voz mal saia
‘Me disse que era chato, lembra? Mal você sabia o
quanto eu era chata’ – e ela sorriu pra mim, o mesmo sorriso de anos atrás
‘Não, como eu não’ – e sorri pra ela
Ela então se encostou em mim, se encolhendo em meus
braços e chorou baixinho por uns cinco minutos. Ainda tinha o mesmo perfume,
ainda podia lembrar de suas calças jeans e camisetas e o quanto ainda lhe tinha
amor.
‘Será que um dia vou ser feliz?’ – ela me perguntou
‘Vai, eu sei que vai’ – ela ainda era a minha
menina, enquanto passava minha mão pelos seus cabelos e a prendia perto de mim,
lhe beijando a testa
‘Eu era feliz quando te conheci. Era feliz quando
ficamos amigos. Era feliz quando fui embora de Los Angeles aquele dia que me
levou no aeroporto’ – e me abraçou mais forte, como se quisesse se esconder
dentro de mim
‘Eu também era’ – e nunca mais tinha sido feliz
daquela maneira, eu sabia disso
‘Louis?’ – a voz de Kevin veio por trás de mim, me
fazendo soltar de Alice e virar pra ele, Pete lhe acompanhava – ‘já se foram
todos. Seus amigos estão te esperando pra ir embora, Alice’ – e ele foi de
encontro a ela, lhe dando um beijo e um abraço – ‘eu sinto muito por Lex’
‘Alice, eu sinto muito’ – disse Pete também lhe
abraçando bem de perto
‘Obrigada, obrigada por terem vindo’ – ela disse, se
soltando de Pete e já se encaminhando a nossa frente, indo em direção ao carro
onde seus amigos lhe esperavam
Alice ainda olhou pra trás e me sorriu, me dando um
tchau de longe. A mesma, sempre seria a mesma pra mim, não importava o que
fizesse nos cabelos ou quais roupas usasse, era a minha menina.
‘Vamos?’ – me disse Kevin
‘Sim, vamos...’
‘Quer que eu dirija?’
‘Sim...pode ser...’
‘Ela está diferente, né? Nem parece que está com
quase 30 anos...’
‘Sim. É a garota mais bonita que já conheci’ – meus
olhos embaçaram
‘Ainda, meu amigo?’ – e Kevin colocou seu braço por
trás das minhas costas, abrindo o carro pra eu entrar
‘Sempre’ – as lágrimas vieram aos olhos, sem eu
perceber
E sentei, olhando pelo vidro enquanto ele dirigia."
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