quarta-feira, março 08, 2017

"Aquela noite em Vegas em especial, estávamos num festival, com  outras bandas. O burburinho depois do show era grande, muita gente circulando pelos corredores até o camarim. Um caos.
Me lembro de alguém ter me parado no meio do caminho quando o show acabou e travado uma conversa longa e enfadonha sobre direito de artistas e blá, blá, blá.
Eu só queria chegar até o camarim e tomar uma cerveja, um banheiro, sentar uns dez minutos no sofá. Quando consegui me livrar da conversa, corri e entrei rapidamente, fechando a porta, atravessando a sala sem olhar pro lado.
‘Ei, olha quem chegou!’ – falou Kevin enquanto eu pegava uma toalha
‘Ah, um mala me parou no corredor, me puxou pra uma sala e não conseguia sair. Preciso de um banheiro e...’ – quando me virei, Alice estava sentada no sofá, sorria pra mim
‘Alice?’ – seus cabelos compridos pareciam mais loiros, seus olhos mais negros, ela mais velha, parecia mais bonita
‘Vim visitar vocês! Na verdade vim ver vocês tocarem, estou com os meninos por aqui’ – e ela se levantou e me deu um beijo no rosto, me abraçando e voltou a sentar entre Pete e Kevin
‘E por que eles não vieram com você?’ – disse Doug
‘Porque estão alucinados em Vegas! Desde que chegaram, querem ir a festas, cassinos. Cacá quase casou numa capela com o Elvis’ – e riu
‘Ah, Vegas...’ – disse Doug dando risada junto com os outros
‘Aí, eu queria ver vocês e eles queriam torrar o dinheiro em um cassino qualquer, bebendo loucamente. Deixei eles e vim sozinha’
‘Como conseguiu entrar aqui?’ – lhe perguntei
‘Hum, tenho meus contatos’ – ela sorriu e piscou pra mim, me fazendo sorrir – ‘mentira, reconheci TG, aquele segurança de vocês, lá na frente do palco junto com umas garotas ensandecidas querendo ver vocês e depois de muito tempo tentando convencer ele que conhecia vocês, ele me trouxe aqui, quero dizer, chamou Kevin e ele me trouxe’
‘Por que não me ligou?’ – lhe perguntei novamente
‘Ah, não tenho telefone. Aí pra ligar teria que sair e podia ser que não desse mais pra entrar, arrisquei...’
‘E pra onde vocês vão agora Alice? Ou vão voltar pra casa?’ – perguntou Doug
‘Olha, do jeito que a grana acabou, bem provável que vamos pra casa. Os meninos torraram toda a nossa grana. Vocês não estão entendendo, não ganharam uma moeda sequer!’
‘Puta merda’ – riu Doug
‘Mas tá bom já, descemos de Seattle até a Califórnia de carro, viemos pra cá e agora vamos pra casa, estou cansada’
‘De carro?’ – perguntou Kevin
‘Sim. Um mês que estamos viajando’
‘Wow, sem destino. Como é bom ser jovem’ – disse Kevin
‘Sim, mas somos em quatro’ – ela riu
‘Lex veio?’ – eu perguntei
‘Não, Fabio veio, aquele amigo de Cacá. Eu, Fabio, Cacá e John’
‘Que bom’ – eu tinha ciúmes, ela parecia tão bem. Não porque parecia bem, mas por estar viajando com três homens
‘Você é a única mulher?’ – perguntou Kevin
‘Sim, mas não se iluda.  Os meninos são meus irmãos, sou tipo um dos caras. Parecem uns Pitbulls, não deixam ninguém se aproximar, uma loucura’ – todos riram
‘É, tá danada. Mas eles devem pegar leve com você, é uma menina’ – disse Doug
‘Que nada! Não disse que sou um dos caras? Sempre fui, desde que mudei pra Seattle, só tenho eles de amigos. Esse bando de inconsequentes não arrumam uma namorada pra me fazer companhia. Todos uns canalhas! Só Lex tomou jeito!’ – e todo mundo riu de novo
‘Acho que nunca tivemos uma amiga que fosse um dos caras na nossa idade’ – disse Kevin, fazendo com que ela risse
‘Ainda bem, né? Eu não sei o que é ser mulher há tempos! Se peço pra eles pararem na farmácia pra comprar um absorvente, já me indagam dizendo que fico o mês todo desse jeito. Se respondo algo de mau humor, é porque fico de TPM o mês inteiro. Meu aparelho de depilar a perna é barbeador deles. Creme hidratante, usam mais que eu. Mimimi de mulher? Não posso ter! Vocês homens são muito insensíveis! Acha que gosto de ser um dos caras?’ – e todos riram novamente
‘Ei, eu sou um cara sensível!’ – disse Pete, arrancando gargalhadas
‘Ainda bem, um pelo menos é! Os meus amigos tão longe disso! Arroto, xixi de porta aberta, toalhas molhadas espalhadas, outras coisas piores fazem parte do meu cotidiano! Homem pelado não é novidade pra mim!’ – eles riam com ela, eu só conseguia a observar, sorrindo, ela parecia tão feliz
‘Pensa que é só uma viajem’ – disse Kevin
‘Ah, antes fosse. Cacá só é lady quando passa creme’ – como era bom vê-la daquele jeito
‘Você mora com esse Cacá?’ – perguntou Kevin
‘Sim, há cinco anos já. Um casamento perfeito’
‘Casaram?’ – perguntou Doug surpreso
‘Não! Casamento porque a gente divide as contas e as tarefas de casa direitinho, mas não tem sexo sobre hipótese nenhuma’
‘Aaaaaaaaah’ – Disse Doug
Todos riam, acho que nunca tinha visto Alice tão solta e eu sorria feito bobo de vê-la tanto tempo depois. Ela falava e gesticulava com as mãos, os cabelos caindo por trás dos ombros, como tinha a conhecido há cinco anos atrás. Parecia mais segura de si, menos tímida. A idade lhe tratava bem, ainda podia dizer que tinha 18 anos.
‘Não tá com fome, Alice? A gente vai sair pra comer alguma coisa’ – disse Kevin a ela, se levantando
‘Não. Não quero atrapalhar. Já vou embora’ – pegou sua bolsa e se levantou
Kevin olhou pra mim, quase sabendo dos meus pensamentos e falou antes mesmo que eu pudesse ter qualquer reação.
‘Bom, então, Louis te leva’ – eu me senti corar
‘Sim, claro’ – respondi meio tímido
‘Não, não precisa. Eu pego um táxi. E depois ele também deve estar com fome, pode ir com vocês, devem estar cansados’ – ela colocou suas mãos no bolso de trás da calça, também constrangida
‘Não, imagina Alice. Louis insiste, né Louis?’ – e ele passou por mim, batendo em minhas costas, me deixando mais constrangido ainda
‘Sim, claro. Só vou ao banheiro, me espera?’
‘Sim, espero’ – ela sorriu olhando pra mim
Enquanto os meninos se despediam de Alice, eu ia ao banheiro. Ao lavar o rosto, olhava pelo espelho se tudo estava em ordem, estava um caco depois do show, mas estar com ela ali me dava um certo nervosismo, fazia tempo que não ficávamos a sós. Sentia aquele frio na barriga, um tremor leve nas mãos.
Quando saí, Alice estava em pé olhando um cartaz na parede, as mãos nos bolsos de trás da calça. Muito mais bonita do que da ultima vez que a tinha visto.
‘Bom, vamos?’ – lhe disse enquanto ainda secava as mãos na calça
‘Sim, vamos’ – ela sorriu
Peguei minhas coisas e fui me encaminhando a porta quando Alice me segurou pelo braço e me puxou pra perto dela, estendendo seus braços sobre o meu pescoço.
‘Nem pude te dar um abraço’ – seus dois olhos negros me olharam, antes que ela se inclinasse sobre mim
‘É, pois é, eu demorei a chegar e...’
‘Eu senti sua falta’ – ela passou sua mão de leve pelos meus cabelos e me beijou o rosto
‘Eu também’ – lhe disse o que sentia quase sempre
‘Tá com fome?’ – ela perguntou ainda pendurada em meu pescoço, seu rosto tão próximo do meu que podia contar quantas sardas ela tinha espalhadas pelo nariz
‘Um pouco, e você?’
‘Um pouco também’
‘Podemos comer alguma coisa antes de irmos embora, o que acha?’ – lhe propus
‘Sim, vamos? Assim a gente bota a fofoca em dia...’ – e ela pegou em minha mão e me puxou, saindo do camarim
Fomos andando a pé até algum lugar qualquer pra comer. Alice me contava que estava quase no último ano da graduação e que no próximo verão já estaria formada em jornalismo.
‘E a produção?’ – lhe perguntei enquanto comíamos
‘Não quero por enquanto, Louis. Acho que estou traumatizada, quem sabe um dia, né?’ – ela dizia com um olhar triste
‘É, quem sabe’ – e era mesmo triste, ela era competente
‘E eu lembro que você me disse que eu podia fazer outras escolhas. Depois de tudo o que passei eu resolvi viver outra vida’
‘Bom, se essa decisão vai te ajudar, acho que deve fazer’
‘Sim, vai...’ – ela sorriu tímida, mas eu sabia lá no fundo que os sonhos lhe moviam e ela ia os deixando pra trás a cada ano que passava
Ainda continuamos conversando amenidades quando saímos dali e caminhamos mais algum tempo a pé. Alice sorria e não parecia querer ir embora. Nem eu queria que ela fosse.
‘Quer fazer alguma outra coisa?’ – lhe perguntei meio tímido, por mim ficaria a noite inteira com ela
‘Não sei. Faz tempo que eu não bebo nada. Me deu vontade’ – ela me olhou me pedindo algo
‘Alice, olha...’ – eu me preocupava porque bebida e Alice não combinavam
‘Não! Não essa vontade de beber! Aquela sabe? Que você fica zonzo, dança...’ – e me sorriu
‘Sei’
‘Vamos comigo? A gente bebe em algum lugar, qualquer lugar. Eu pago!’ – ela riu
‘Não precisa’ – e ri olhando pra ela, parecia a mesma moleca
‘Você cuida de mim e não deixa eu passar do limite, quando ver que estou alegre você me poda’
‘Alice...é...’ – eu queria, mas tinha medo dela desencadear um processo ruim
‘Ah! Para com isso vai! Faz um ano que não te vejo e uns 4 que não conversamos e passamos um tempo juntos! Vai me dizer que tá velho e que sua artrose não permite, que precisa dormir?’ – ela riu se encostando em mim, ficando de frente
‘Não, não vou’ – e eu ria junto com ela, que saudades daquilo eu tinha
‘Então! Sim, sim, sim?’ – ela me disse pegando em minhas mãos e colocando os meus braços por trás do seu pescoço
‘Ok, vai...’
‘É por isso que amo ter você em minha vida’ – ela me puxou rindo e caminhamos mais um pouco até um bar qualquer
A música era alta, tinha bastante gente e Alice pediu duas tequilas. Uma pra mim e outra pra ela. E mais duas, e mais duas e eu perdi a conta de quantas tequilas tomamos.
Quando vi, Alice me puxava pra onde tinham pessoas aglomeradas dançando e foi pulando junto com a multidão. Ela vinha pra perto de mim e sorria, colocando meus braços em volta da cintura dela, os seus nos meus ombros.
Aquilo fazia com que eu sentisse seu perfume e seu cheiro, toda vez que ela encostava seu corpo quente em mim, eu meio alcoolizado, fazia tudo o que ela permitia. E sentia desejo por ela, tudo novamente.
Já meio cansada, ela me pediu uma água e disse que queria ir embora. Eu não queria deixa-la, mas fazia suas vontades. Como ela ainda parecia uma menina, mesmo depois de 5 anos. Quando saímos, cobri Alice com uma blusa que tinha na cintura e ela deitou sua cabeça em meu peito.
‘Ainda tá zonza?’ – lhe perguntei passando a mão em seus cabelos
‘Não. Pinguei todo o álcool lá dentro’
‘Vou te levar até onde você está ficando’
Alice se virou então pra mim, ainda deitada em meu colo, se encolhendo de frio
‘Louis, posso ficar com você essa noite?’ – eu gelei com essa frase
‘Pode...mas...e seus amigos?’ – eu nem sabia direito o que dizer
‘Bom, eles sabem que vim ver você e que se não tivesse com você, voltaria pro hostel. Eu não sou mais tão irresponsável’
‘Nunca achei que fosse irresponsável’ – lhe disse ainda passando minhas mãos em seus cabelos – ‘vem, vamos, te levo pro meu hotel então’ – eu tinha felicidade e desejo misturados, não conseguia pensar em mais nada"

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