"Aquela noite em Vegas em especial, estávamos num
festival, com outras bandas. O
burburinho depois do show era grande, muita gente circulando pelos corredores
até o camarim. Um caos.
Me lembro de alguém ter me parado no meio do
caminho quando o show acabou e travado uma conversa longa e enfadonha sobre
direito de artistas e blá, blá, blá.
Eu só queria chegar até o camarim e tomar uma
cerveja, um banheiro, sentar uns dez minutos no sofá. Quando consegui me livrar
da conversa, corri e entrei rapidamente, fechando a porta, atravessando a sala
sem olhar pro lado.
‘Ei, olha quem chegou!’ – falou Kevin enquanto eu
pegava uma toalha
‘Ah, um mala me parou no corredor, me puxou pra uma
sala e não conseguia sair. Preciso de um banheiro e...’ – quando me virei,
Alice estava sentada no sofá, sorria pra mim
‘Alice?’ – seus cabelos compridos pareciam mais
loiros, seus olhos mais negros, ela mais velha, parecia mais bonita
‘Vim visitar vocês! Na verdade vim ver vocês tocarem,
estou com os meninos por aqui’ – e ela se levantou e me deu um beijo no rosto,
me abraçando e voltou a sentar entre Pete e Kevin
‘E por que eles não vieram com você?’ – disse Doug
‘Porque estão alucinados em Vegas! Desde que
chegaram, querem ir a festas, cassinos. Cacá quase casou numa capela com o
Elvis’ – e riu
‘Ah, Vegas...’ – disse Doug dando risada junto com
os outros
‘Aí, eu queria ver vocês e eles queriam torrar o
dinheiro em um cassino qualquer, bebendo loucamente. Deixei eles e vim sozinha’
‘Como conseguiu entrar aqui?’ – lhe perguntei
‘Hum, tenho meus contatos’ – ela sorriu e piscou
pra mim, me fazendo sorrir – ‘mentira, reconheci TG, aquele segurança de vocês,
lá na frente do palco junto com umas garotas ensandecidas querendo ver vocês e
depois de muito tempo tentando convencer ele que conhecia vocês, ele me trouxe
aqui, quero dizer, chamou Kevin e ele me trouxe’
‘Por que não me ligou?’ – lhe perguntei novamente
‘Ah, não tenho telefone. Aí pra ligar teria que
sair e podia ser que não desse mais pra entrar, arrisquei...’
‘E pra onde vocês vão agora Alice? Ou vão voltar
pra casa?’ – perguntou Doug
‘Olha, do jeito que a grana acabou, bem provável
que vamos pra casa. Os meninos torraram toda a nossa grana. Vocês não estão
entendendo, não ganharam uma moeda sequer!’
‘Puta merda’ – riu Doug
‘Mas tá bom já, descemos de Seattle até a
Califórnia de carro, viemos pra cá e agora vamos pra casa, estou cansada’
‘De carro?’ – perguntou Kevin
‘Sim. Um mês que estamos viajando’
‘Wow, sem destino. Como é bom ser jovem’ – disse
Kevin
‘Sim, mas somos em quatro’ – ela riu
‘Lex veio?’ – eu perguntei
‘Não, Fabio veio, aquele amigo de Cacá. Eu, Fabio,
Cacá e John’
‘Que bom’ – eu tinha ciúmes, ela parecia tão bem.
Não porque parecia bem, mas por estar viajando com três homens
‘Você é a única mulher?’ – perguntou Kevin
‘Sim, mas não se iluda. Os meninos são meus irmãos, sou tipo um dos
caras. Parecem uns Pitbulls, não deixam ninguém se aproximar, uma loucura’ –
todos riram
‘É, tá danada. Mas eles devem pegar leve com você,
é uma menina’ – disse Doug
‘Que nada! Não disse que sou um dos caras? Sempre
fui, desde que mudei pra Seattle, só tenho eles de amigos. Esse bando de
inconsequentes não arrumam uma namorada pra me fazer companhia. Todos uns
canalhas! Só Lex tomou jeito!’ – e todo mundo riu de novo
‘Acho que nunca tivemos uma amiga que fosse um dos
caras na nossa idade’ – disse Kevin, fazendo com que ela risse
‘Ainda bem, né? Eu não sei o que é ser mulher há
tempos! Se peço pra eles pararem na farmácia pra comprar um absorvente, já me
indagam dizendo que fico o mês todo desse jeito. Se respondo algo de mau humor,
é porque fico de TPM o mês inteiro. Meu aparelho de depilar a perna é barbeador
deles. Creme hidratante, usam mais que eu. Mimimi de mulher? Não posso ter! Vocês
homens são muito insensíveis! Acha que gosto de ser um dos caras?’ – e todos
riram novamente
‘Ei, eu sou um cara sensível!’ – disse Pete,
arrancando gargalhadas
‘Ainda bem, um pelo menos é! Os meus amigos tão
longe disso! Arroto, xixi de porta aberta, toalhas molhadas espalhadas, outras
coisas piores fazem parte do meu cotidiano! Homem pelado não é novidade pra
mim!’ – eles riam com ela, eu só conseguia a observar, sorrindo, ela parecia
tão feliz
‘Pensa que é só uma viajem’ – disse Kevin
‘Ah, antes fosse. Cacá só é lady quando passa creme’
– como era bom vê-la daquele jeito
‘Você mora com esse Cacá?’ – perguntou Kevin
‘Sim, há cinco anos já. Um casamento perfeito’
‘Casaram?’ – perguntou Doug surpreso
‘Não! Casamento porque a gente divide as contas e as
tarefas de casa direitinho, mas não tem sexo sobre hipótese nenhuma’
‘Aaaaaaaaah’ – Disse Doug
Todos riam, acho que nunca tinha visto Alice tão
solta e eu sorria feito bobo de vê-la tanto tempo depois. Ela falava e
gesticulava com as mãos, os cabelos caindo por trás dos ombros, como tinha a
conhecido há cinco anos atrás. Parecia mais segura de si, menos tímida. A idade
lhe tratava bem, ainda podia dizer que tinha 18 anos.
‘Não tá com fome, Alice? A gente vai sair pra comer
alguma coisa’ – disse Kevin a ela, se levantando
‘Não. Não quero atrapalhar. Já vou embora’ – pegou
sua bolsa e se levantou
Kevin olhou pra mim, quase sabendo dos meus
pensamentos e falou antes mesmo que eu pudesse ter qualquer reação.
‘Bom, então, Louis te leva’ – eu me senti corar
‘Sim, claro’ – respondi meio tímido
‘Não, não precisa. Eu pego um táxi. E depois ele
também deve estar com fome, pode ir com vocês, devem estar cansados’ – ela
colocou suas mãos no bolso de trás da calça, também constrangida
‘Não, imagina Alice. Louis insiste, né Louis?’ – e
ele passou por mim, batendo em minhas costas, me deixando mais constrangido
ainda
‘Sim, claro. Só vou ao banheiro, me espera?’
‘Sim, espero’ – ela sorriu olhando pra mim
Enquanto os meninos se despediam de Alice, eu ia ao
banheiro. Ao lavar o rosto, olhava pelo espelho se tudo estava em ordem, estava
um caco depois do show, mas estar com ela ali me dava um certo nervosismo,
fazia tempo que não ficávamos a sós. Sentia aquele frio na barriga, um tremor
leve nas mãos.
Quando saí, Alice estava em pé olhando um cartaz na
parede, as mãos nos bolsos de trás da calça. Muito mais bonita do que da ultima
vez que a tinha visto.
‘Bom, vamos?’ – lhe disse enquanto ainda secava as
mãos na calça
‘Sim, vamos’ – ela sorriu
Peguei minhas coisas e fui me encaminhando a porta
quando Alice me segurou pelo braço e me puxou pra perto dela, estendendo seus
braços sobre o meu pescoço.
‘Nem pude te dar um abraço’ – seus dois olhos
negros me olharam, antes que ela se inclinasse sobre mim
‘É, pois é, eu demorei a chegar e...’
‘Eu senti sua falta’ – ela passou sua mão de leve
pelos meus cabelos e me beijou o rosto
‘Eu também’ – lhe disse o que sentia quase sempre
‘Tá com fome?’ – ela perguntou ainda pendurada em
meu pescoço, seu rosto tão próximo do meu que podia contar quantas sardas ela
tinha espalhadas pelo nariz
‘Um pouco, e você?’
‘Um pouco também’
‘Podemos comer alguma coisa antes de irmos embora,
o que acha?’ – lhe propus
‘Sim, vamos? Assim a gente bota a fofoca em dia...’
– e ela pegou em minha mão e me puxou, saindo do camarim
Fomos andando a pé até algum lugar qualquer pra
comer. Alice me contava que estava quase no último ano da graduação e que no
próximo verão já estaria formada em jornalismo.
‘E a produção?’ – lhe perguntei enquanto comíamos
‘Não quero por enquanto, Louis. Acho que estou
traumatizada, quem sabe um dia, né?’ – ela dizia com um olhar triste
‘É, quem sabe’ – e era mesmo triste, ela era
competente
‘E eu lembro que você me disse que eu podia fazer
outras escolhas. Depois de tudo o que passei eu resolvi viver outra vida’
‘Bom, se essa decisão vai te ajudar, acho que deve
fazer’
‘Sim, vai...’ – ela sorriu tímida, mas eu sabia lá
no fundo que os sonhos lhe moviam e ela ia os deixando pra trás a cada ano que
passava
Ainda continuamos conversando amenidades quando
saímos dali e caminhamos mais algum tempo a pé. Alice sorria e não parecia
querer ir embora. Nem eu queria que ela fosse.
‘Quer fazer alguma outra coisa?’ – lhe perguntei
meio tímido, por mim ficaria a noite inteira com ela
‘Não sei. Faz tempo que eu não bebo nada. Me deu
vontade’ – ela me olhou me pedindo algo
‘Alice, olha...’ – eu me preocupava porque bebida e
Alice não combinavam
‘Não! Não essa vontade de beber! Aquela sabe? Que
você fica zonzo, dança...’ – e me sorriu
‘Sei’
‘Vamos comigo? A gente bebe em algum lugar,
qualquer lugar. Eu pago!’ – ela riu
‘Não precisa’ – e ri olhando pra ela, parecia a
mesma moleca
‘Você cuida de mim e não deixa eu passar do limite,
quando ver que estou alegre você me poda’
‘Alice...é...’ – eu queria, mas tinha medo dela
desencadear um processo ruim
‘Ah! Para com isso vai! Faz um ano que não te vejo
e uns 4 que não conversamos e passamos um tempo juntos! Vai me dizer que tá
velho e que sua artrose não permite, que precisa dormir?’ – ela riu se
encostando em mim, ficando de frente
‘Não, não vou’ – e eu ria junto com ela, que
saudades daquilo eu tinha
‘Então! Sim, sim, sim?’ – ela me disse pegando em
minhas mãos e colocando os meus braços por trás do seu pescoço
‘Ok, vai...’
‘É por isso que amo ter você em minha vida’ – ela
me puxou rindo e caminhamos mais um pouco até um bar qualquer
A música era alta, tinha bastante gente e Alice
pediu duas tequilas. Uma pra mim e outra pra ela. E mais duas, e mais duas e eu
perdi a conta de quantas tequilas tomamos.
Quando vi, Alice me puxava pra onde tinham pessoas
aglomeradas dançando e foi pulando junto com a multidão. Ela vinha pra perto de
mim e sorria, colocando meus braços em volta da cintura dela, os seus nos meus
ombros.
Aquilo fazia com que eu sentisse seu perfume e seu
cheiro, toda vez que ela encostava seu corpo quente em mim, eu meio
alcoolizado, fazia tudo o que ela permitia. E sentia desejo por ela, tudo
novamente.
Já meio cansada, ela me pediu uma água e disse que
queria ir embora. Eu não queria deixa-la, mas fazia suas vontades. Como ela
ainda parecia uma menina, mesmo depois de 5 anos. Quando saímos, cobri Alice
com uma blusa que tinha na cintura e ela deitou sua cabeça em meu peito.
‘Ainda tá zonza?’ – lhe perguntei passando a mão em
seus cabelos
‘Não. Pinguei todo o álcool lá dentro’
‘Vou te levar até onde você está ficando’
Alice se virou então pra mim, ainda deitada em meu
colo, se encolhendo de frio
‘Louis, posso ficar com você essa noite?’ – eu
gelei com essa frase
‘Pode...mas...e seus amigos?’ – eu nem sabia
direito o que dizer
‘Bom, eles sabem que vim ver você e que se não
tivesse com você, voltaria pro hostel. Eu não sou mais tão irresponsável’
‘Nunca achei que fosse irresponsável’ – lhe disse
ainda passando minhas mãos em seus cabelos – ‘vem, vamos, te levo pro meu hotel
então’ – eu tinha felicidade e desejo misturados, não conseguia pensar em mais
nada"
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